Praça dos Ex-combatentes: marcas de um passado heroico

André Correia*


            Nos anos de 1970, a cidade de São Gonçalo ainda gozava dos louros do desenvolvimento da política promovida pelo prefeito Joaquim de Almeida Lavoura. Sua carreira teve início em 1947 quando foi eleito vereador pelo Partido Social Democrático, o PSD. Era conhecido como o “vereador de tamancos” que exercia mil e uma atividades, porém quero destacar a profissão de peixeiro e comerciante de “secos e molhados”. Dentre os inéditos feitos do grupo lavourista, quero frisar, neste artigo, à defesa do militarismo e do serviço prestado à nação. A história dos Ex-combatentes gerou encontros políticos, plenárias públicas e leis municipais em defesa dos pracinhas que estiveram na guerra.

 Osmar Leitão Rosa,  prefeito que iniciou a construção da Praça dos Ex-combatentes

Dos treinamentos no Morro do Castro em Niterói às sangrentas lutas no frio de Monte Castelo na Itália, a Grande Guerra levou parte considerável do 3° Regimento de Infantaria da Venda da Cruz e com ele centenas de Gonçalenses. O local surgiu no ano de 1935 como o 3º Regimento de Infantaria, com sede na Chácara Paraíso. Quatro anos depois, passou a ser 3° Batalhão de Infantaria em substituição ao 14° Regimento de Infantaria, da Praia Vermelha, que havia sido extinto após o bombardeio da Intentona Comunista. Contudo, esta não são as histórias que me trouxeram até aqui e nem os são fatos em que devo me ater.

Anos dourados da Praça dos Ex-Combatentes.



Quero escrever sobre a Praça dos Ex-combatentes que foi fundada em 24 de outubro de 1970, situada nesta mesma derradeira e amada cidade. A Praça é uma jovem senhora de 43 anos, do 1° decanato de escorpião, com duas grandes reformas, é um museu a céu aberto, que foi erguido em homenagem aos Combatentes da 2° Guerra Mundial. É composta por um obelisco, um mastro central para quatro bandeiras, mapa do Brasil e  Brasões oficiais, um tanque, uma hélice e munições de guerra. No monumento aos soldados mortos ficou a mensagem para os vivos: 

“Aos que em holocausto à Pátria, tiveram como túmulo às águas do atlântico ou a terra fria da Itália. A morredoura gratidão e imperecível saudade dos que ficaram”.   

André Correia entrevistando o Ex-Prefeito Osmar Leitão Rosa na Pça dos ex-combatentes

O ex-prefeito Osmar leitão (1967-70), que assumiu sua 1° secretaria aos 19 anos,  foi o fundador da Praça mas quem inaugurou foi José Alves Barbosa (1970-71), que havia assumido a prefeitura. Osmar caminhou recentemente por entre os monumentos no bairro do Patronato e falou com orgulho dos tempos em que a sociedade se comovia em homenagear os soldados e a construção da Praça:

 “esse espaço pertencia a CEDAE, aqui se fazia os serviços diários da manobra de água, mas depois ficou abandonado, quando cheguei à Prefeito, solicitamos ao Governador Geremias Fontes, permissão para urbanizar o local. No rastro dessa autorização conseguimos também o espaço onde hoje funciona a  Associação dos Ex combatentes fundada em 1º de outubro de 1945 pelo senhor Rubem Silva”.  

Da promoção ao reconhecimento

Muitos Ex-Combatentes passaram de soldados de guerra a funcionários públicos do município e membros ilustres da sociedade gonçalense. Inúmeras leis foram votadas para beneficiar o Ex-Combatentes e sua família, como por exemplo, o recebimento de Soldos (Salário) que foi utilizado em grande escala como apoio aos serviços prestados à nação. Osmar Leitão afirma entusiasmado pelo reconhecimento aos pracinhas que ainda hoje, em março de 2014, são reconhecidos e pela Lei, e onde quer que seja descoberta uma família de um ex-combatente desamparada, o estado prestará o devido auxílio.

“Um guardião da nação não deve ficar desamparado. As políticas de proteção foram implementadas a favor do heroísmo e das vitórias de guerra.” Declarou o ex-prefeito. Em um tempo de “ame ou deixe-o” o discurso cívico-patriótico pode ser comprovado nas palavras confeccionadas em placas de bronze, fixadas nos artefatos da praça, como memória e reafirmação do discurso de preservação. A praça ser representada simbolicamente como monumento, fez partes de um complexo de 109 homenagens realizadas pelo governo brasileiro em todo território nacional.  
Geraldo Ataíde, o presidente da “Associação dos Ex-Combatentes”, gozava do prestígio da guerra e conseguiu as peças que hoje compõem o museu militar. Além disso, os mortos também foram homenageados com nomes de ruas recém criadas em São Gonçalo, no bairro do Engenho Pequeno, por exemplo é fácil encontrar ruas com o nome de Expedicionários de guerra.

As décadas se passaram e hoje a população confunde a homenagem aos pracinhas com uma exaltação ao regime ditatorial de 1964. Hoje temos o fruto de uma geração sem memória, voltada para o pensamento “macro consumista”, e de pouco valor aos estudos e a história regional. Este descaso ao regionalismo e a memória local interfere profundamente na relação de história e memória do cidadão gonçalense. Segundo a professora Maria Tereza Goudart a Alfabetização Patrimonial promove ao indivíduo não só a valorização do patrimônio de Pedra e Cal, mas também a valorização da história, da memória  e do mundo que o cerca. Vale ressaltar que a história detém o poder da construção e da reconstrução social sendo a memória a chave para tal artimanha social.
E por falar em História, a Força Expedicionária Brasileira ficou com a missão de representar o Brasil na segunda Guerra Mundial. E isso aconteceu a partir do decreto de 31 de agosto de 1942 do presidente Getúlio Vargas, declarando estado de guerra em todo território nacional. Mas antes disso, a bordo do navio de transporte americano General Mann em 22  de agosto, nossos jovens já deixavam as terras de “Amarante” ao som da ‘Canção do expedicionário, “a marcha” de Spartaco Rossi e Guilherme de Almeida. Este fato daria aos Gonçalenses um lugar de prestígio heróico e conquistas titulares na história do país e da cidade, mas também traria morte e sofrimento às famílias papagoiabas.

Hoje em dia…



Destruída pela população de diversas formas, a Praça resiste. Hoje é palco da feira nordestina, cheia de costumes e comidas cariocas. É praça de alimentação dos ensaios da Viradouro e da unidos do Porto da Pedra. É palco da Roda Cultural. Do grupinho de amigos e do “baseado” de Canabias Sativa. É palco de amores passageiros e flertes da molecada. É cenário de skatista, artista, desocupados e bêbados conhecidos. É lembrança das flores amarelas e fotos ao lado dos monumentos. Mas nada disso lembra os Ex-combatentes de guerra, embora o nome e os objetos não neguem.  A Praça, foi símbolo do governo Lavourista, e se tornou patrimônio da humanidade local. Tinha como principal objetivo oferecer espaço de lazer gratuito ao cidadão e fazer dali um espaço de convivência. Sim, estes objetivos foram alcançados e os cidadãos, idosos, paqueradores e namorados agradecem.
Praça dos Ex-combatentes vista pelos dois lados.



            Salve a Itália! Viva Anita Garibaldi! Salve o monumento fúnebre das lembranças dos pracinhas, presos no riso dos frequentadores que nada sabem sobre a história, mas ainda sim, sentem…


Recomenda-se a leitura da monografia “A Praça dos Ex-combatentes: Memória e Esquecimento” de Rogério Fernandes da Silva, graduado em Licenciatura Plena em História, pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2003. Link da monografia: Aqui



Sobre o Autor:

André Correia André Correia é colaborador do Blog Tafulhar. Formado em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj- FFP), Professor de História, Gestor Cultural e Editor do Jornal Folha Nativa, em São Gonçalo.

Peixe é o melhor remédio

Alex Wölbert*
Sabe aqueles dias que você acorda sem disposição para nada. Parece que tomou uma surra e não aguenta nem levantar da cama?


Geralmente acontece aos sábados pra mim, depois de uma sexta-feira bem aproveitada enchendo a cara com os amigos do trabalho. Bate na cama e dorme até lembrar que tem que acordar.

Sim, era um sábado daqueles… E quem disse que eu acordava? Abri apenas um olho por causa da preguiça e fixei-o no relógio da cabeceira da cama. Nossa, eram onze e meia e, então, tinha que sair da inércia. Nem sei como, mas com muito esforço consegui me despedir da minha amiga cama e aproveitando à disposição repentina me coloquei debaixo do chuveiro gelado. Ai como dói!

É, melhorei um pouquinho, mas não justificava ter que ir a cozinha uma hora daquelas. É meus amigos, para aumentar meu pesadelo, em alguns sábados sou o chefe de cozinha para todos aqui em casa. Esse sábado estava escalado, mas esse não ia rolar. Não ia rolar mesmo!

Peguei minha esposa e minha filha e no carro decidimos “democraticamente” qual seria o menu e onde iríamos. É claro que minha esposa tem peso dois e assim foi decretado. Peixe!

– Mas onde?

– Amor, que tal Mercado São Pedro?

– Mas tem restaurante lá?


Então ajustei o GPS para Rua Visconde do Rio Branco, 55, Pontal da Areia e fomos nós.

A imagem de São Pedro no interior do mercado. Foto: Gabriel de Paiva/19-11-2008. link
Logo na entrada fomos recebidos por uma imagem de São Pedro, mas nem houve necessidade de pegar a chave da casa com ele, as portas já estavam abertas e já estávamos bem à vontade.

Passando por São Pedro nos deparamos com várias peixarias e uma combinação de cores que jamais imaginaria que o mar pudesse nos oferecer. O detalhe que não tinha aquele cheiro forte e enjoativo de peixe. Tudo muito limpo. 

– Quer um namorado freguesa?


Antes que enfiasse a mão no focinho do vendedor por cantar a minha mulher. Entrei na brincadeira e agi com naturalidade. Em pouco tempo já estava Íntimo do peixeiro e não perdi a oportunidade para perguntar qual o peixe que era bom para curar ressaca.

O peixeiro passou a mão no jaleco levantou o ombro e com uma postura de doutor na mesa de operação respondeu.

– Peixe é o melhor remédio. Se bebeu demais amigo, te recomendo. O peixe ajuda a repor uma série de minerais que o corpo perde quando tem contato com o álcool.

Quem sou eu para duvidar. Só espero que ele aceite Unimed.

Ainda fiquei uns 15 minutos conversando com o Doctor Fish, o tempo suficiente para ele me convencer a levar 1 quilo de linguado, pois não tinha espinha. Sugeriu que eu e minha família subíssemos até o segundo andar para desfrutar dessa iguaria feita na hora.

Pois bem, subimos as escadas e sentamos a uma mesa de madeira e enquanto esperávamos nosso almoço entre uma conversa e outra comecei a viajar pela história daquele lugar.

Antigo Mercado de Peixe São Pedro, Rua Visconde do Rio Branco, Centro, Niterói, palafitas, 1970, A/D

Antes mesmo de ser inaugurado em 29 de junho de 1971 o Mercado de São Pedro já existia desde metade do século XIX. O novo mercado veio substituir o conjunto de barracas e palafitas que avançavam as águas da Baia de Guanabara sobre um cais flutuante na antiga Rua da Praia, hoje Visconde do Rio Branco, centro, mais ou menos onde hoje é o terminal João Goulart.

Quase todos os barraqueiros eram católicos e era comum nos anos 60 realizarem uma grande festa no mês de junho para São Pedro, padroeiro dos pescadores. E assim o santo deu o nome ao mercado.

            Mas, em 1970 saiu do papel o plano de aterro da Praia Grande, concebido desde 1940 através de um decreto-lei assinado por Getúlio Vargas autorizando a prefeitura a executar um plano de urbanização e remodelação da cidade permitindo o aterro da faixa litorânea compreendida entre a Ponta da Armação (bairro da Ponta da Areia) e a Praia das Flechas, no Ingá. Então foi no governo de Raimundo Padilha que são iniciadas as obras do aterro a cargo da recente criada Companhia de Desenvolvimento e Urbanismo do Estado do Rio de Janeiro que se utilizou do desmonte do Morro de Gragoatá para fornecimento de terra para os aterros.

Vista frontal do antigo Mercado de Peixe São Pedro, Rua Visconde do Rio Branco, Centro, Niterói, palafitas, 1970, A/D

            E assim o velho mercado de palafitas e barracas não poderia mais ficar ali e tinha que encontrar um lugar para a sobrevivência dos barraqueiros. O próprio governo do estado decidiu transferi-lo para um galpão no Ceasa, no Barreto, e por ficar muito longe do mar os barraqueiros não aceitaram a transferência.

Corredores do Antigo Mercado de Peixe São Pedro, Rua Visconde do Rio Branco, Centro, Niterói, palafitas, 1970, A/D


            Unidos criaram a cooperativa “Comercial São Pedro” com aproximadamente 48 barraqueiros conseguiram juntar uma quantia em dinheiro para comprar um terreno nas proximidades do antigo mercado já que ali havia a colônia de pescadores responsável pelo abastecimento do mercado.

            Hoje, o Mercado de São Pedro é o mais popular do estado do Rio de Janeiro e por lá circulam mais de 5 mil pessoas por semana entre donas de casa e chefes de grandes restaurantes de Niterói e até  de outros Estados do país comprando o equivalente a 30 toneladas de peixes e frutos do mar. São 300 empregos diretos no mercado e é claro, hoje não mais abastecido pela colônia de pescadores local, a grande maioria vem da região dos lagos.

Interrompendo meu devaneio ouço uma voz lá no fundo.

– Senhor, senhor? Aqui esta e bom apetite.


            Minha família e eu caímos para dentro do linguado acompanhado de um delicioso molho de camarão.

            Realmente o doutor com formação em peixes tinha toda razão, foi um ótimo remédio. O peixe frito me deixou super bem disposto e contando as horas para semana passar bem rápido. Santo remédio!

QUE VENHAM OUTRAS SEXTAS-FEIRAS! E OUTROS SÁBADOS REGADOS DE PEIXE, É CLARO!
Fonte: Rioshow.oglobo link

      Sobre o Autor:

Alex Wölbert Alex Wölbert é colaborador do Blog Tafulhar. Considerado um dos maiores cronistas do Leste Fluminense, sobretudo, acerca da cidade de São Gonçalo-RJ. Faz parte do Projeto Recicla Leitores. Facebook: Alex Wölbert

JUVENTUDE, UM PROJETO POLÍTICO DE VERDADE

Evanildo Barreto fala sobre o papel da juventude. Imagem: Folha Nativa
Sem a mobilização massiva da juventude não é possível viabilizar mudanças estruturais na sociedade. Nesse sentido o momento no qual vivemos, com suas revoluções sociais protagonizadas pela classe produtiva e trabalhadora, é um bom exemplo do papel que cabe à juventude.

Em pleno século 21, podemos afirmar que se esgotou o ciclo de crescimento das economias mundiais.

Passou a época gloriosa do emprego e da renda. Estamos num período histórico onde predomina no mundo o desemprego estrutural e o esgarçamento da rede de proteção social do trabalhador. Principalmente devido ao mau uso dos impostos e encargos atribuídos ao setor produtivo. Sem contar os ditos “cases” de negócios nacionais, muitas vezes apaniguados pelos governos e seus bancos de fomentos, que descem ladeira abaixo e levam consigo os ativos dos contribuintes e investidores incautos.

Por isso, diante da crise econômica, mais uma vez a juventude de diversos países se depara novamente com um presente instável e com um futuro incerto. Assim, não foi por acaso as recentes mobilizações protagonizadas pela juventude na chamada primavera árabe, na luta pela educação no Chile, nas manifestações dos indignados na Espanha, nas revoltas espontâneas dos jovens ingleses, dentre outras.

O aprofundamento da crise econômica e sua influência no Brasil comprometerão a base de sustentação do crescimento da economia brasileira: a entrada maciça de capitais estrangeiros, o acesso ao crédito e os preços elevados das exportações de commodities. Um quadro como esse colocará imensos desafios para a juventude e para o conjunto da população brasileira, que no momento encontra-se dispersa, inerte e sem projeto político.

No último período a atuação dos mais variados movimentos de juventude tem se limitado a reivindicações por políticas públicas para juventude. De fato, políticas públicas são extremamente importantes, mas são também insuficientes, não se bastam, pois o que pode mudar as condições de vida da juventude brasileira é um conjunto de reformas estruturais na sociedade. Portanto, não há outra saída ao pensar a organização da juventude que não seja como portadora de um projeto político que busca concretizar reformas estruturais na sociedade.

O destino da juventude brasileira não depende simplesmente de uma pauta específica, mas de um conjunto de reformas democráticas, nacionais e populares. Dessa forma, as lutas da juventude não podem ser confundidas com uma disputa de classe social, mas um conjunto de lutas de seu povo. Nessa perspectiva a juventude não é um conceito abstrato separado da nação como um todo, mas parte fundamental da força social de um povo, reivindicando um necessário e oportuno projeto político.

      Sobre o Autor:

Evanildo Barreto Evanildo Barreto é Presidente da Associação Comercial e Empresarial de São Gonçalo – ACESG. Facebook: Evanildo Barreto

O amante expositor dos céus de São Gonçalo

Clube de Astronomia em São Gonçalo
Elaboração da arte: Tafulhar
Wilson Tafulhar*


Leonardo Da Vinci percebeu a possibilidade de construir um telescópio e no artigo Códice Atlanticus, escrito em 1490, ele comenta que observou o  aumento da Lua . Em outro trabalho, Códice Arundul, em 1513, ele relata que “… para observar a natureza dos planetas, abra o telhado e traga a imagem de um único planeta sobre a base de um espelho côncavo. A imagem refletida pela base mostrará a superfície do planeta que muito aumentou.” Ele entendeu e compreendeu o fato de que a Lua “brilhou com a luz refletida do Sol” e explicou corretamente que “… a Lua nova é a superfície da Lua iluminada por luz.


Você pode não saber, mas em São Gonçalo, um amante do espaço abriu o telhado de seu lar e nos apresenta o brilho das estrelas. Seu espaço se chama Clube de Astronomia Leonardo Da Vinci e fica a 10 minutos do centro da cidade. É logo ali, no bairro do Vila Lage.

Milton Machado (Presidente do Clube de Astronomia Leonardo Da Vinci) e Graça Costa Velho (Presidente do Centro Cultural Vila Lage). Imagem: Tafulhar
Um dos seus fundadores é o Milton Machado. Ele se autointitula astrônomo amador. Gostaria de defini-lo como um amante expositor dos céus. Diria que uma das partes mais divertidas e emocionantes é vê-lo exibindo o céu para os outros. As surpresas e os suspiros transmitidos pelo seu púbico, em uma festa estelar, por pessoas que pela primeira vez dão uma boa olhada na Lua, nas estrelas ou Saturno são sem dúvidas uma recompensa agradável para o expositor dos céus.
 

Crianças, afoitas, à espera do olhar as estrelas. Imagem:Tafulhar


As crianças são um público cativo. Inquietas, ansiosas elas permanecem na fila a espera de um olhar mágico. Para Jonas Brito de 9 anos. “É muito legal ir ao clube. Quero um dia ser um astronauta”.

A ideia de criar o Clube surgiu em meados da década de 80, quando Milton Machado estava prestando serviço militar no 3° Batalhão de Infantaria (3°BI), localizado em São Gonçalo.

Cometa Halley é um cometa brilhante de período intermediário que retorna às regiões interiores do Sistema Solar a cada 76 anos, aproximadamente. O Foi o primeiro cometa a ser reconhecido como periódico, descoberta feita por Edmond Halley em 1696.
Em 1986, a mídia fez um grande alarde com a passagem do cometa Halley e no quartel, no qual servia como militar, fizeram uma festa onde teria um telescópio para que se pudesse ver o cometa. 

Só que Milton, enquanto soldado, não pode ir à festa a qual estava reservada apenas a patentes mais altas e ficou bastante triste naquele dia.

Foi então que no dia 23 de outubro daquele ano, dia do seu aniversário, havia comprado um telescópio e durante um churrasco, com os amigos mais próximos, propôs a criação do Clube de Astronomia Leonardo Da Vinci no qual todos teriam o direito de ver o espaço, sem discriminar ninguém!

Passados mais de 25 anos, o clube de astronomia ainda permanece com o mesmo ideal. Nas palavras do seu fundador, o Clube de Astronomia Leonardo Da Vinci, é um espaço humilde, mas grandioso em termos de criatividade e superação. É um lugar em que se pode ver que mesmo com pouco dinheiro se pode criar uma mostra interessante do grandioso universo que nos abriga. Quem gosta de astronomia fica encantado e não acredita que isso tudo esta aqui em nossa cidade e quase ninguém conhece.

No mesmo local fica o Centro Cultural Vila Lage cujos princípios são resgatar os valores da vida, preservando a história e propiciando as pessoas o acesso a Arte, Ciências, Música e Cinema.

Ambientes do Centro Cultural Vila Lage. Imagem: Tafulhar
Para Milton Machado, o Clube em si já é um grande sonho realizado, mas gostaria de ter mais recursos materiais para mostrar coisas mais fantásticas como, por exemplo, as explosões solares entre outras, para poder despertar ainda mais a curiosidade científica nas crianças e nos jovens.

No momento, o Clube precisa terminar a obra do observatório, pois falta uma proteção térmica no teto para não permitir que a temperatura ultrapasse os 50ºC, como esta ocorrendo. Então um pequeno patrocínio seria muito bem vindo. Faltam também sócios contribuintes, pessoas que sejam simpatizantes a causa e que possam ajudar a manter o Clube com sua pequena, mas importantíssima mensalidade e de voluntários para ajudar durante as atividades de observação do céu e exibição de filmes e documentários. E é claro, ver a cúpula clássica do observatório construída.

Desejo ao expositor dos céus uma grande jornada. 

Milton Machado ao lado do Astronauta Brasileiro Marcos César Pontes. Imagem: Reprodução Clube de Astronomia Leonardo Da Vinci

Clube de Astronomia Leonardo Da Vinci

Horário de Funcionamento: Todos os Sábados a partir das 19:00h

Endereço: Travessa Bernardina, 133 – Vila Lage – São Gonçalo – RJ

Referência: Quem vem de São Gonçalo é um ponto depois do Espaço São Jorge. Parar na Praça do Paiva. Subir as escadarias 100 metros a sua esquerda. Irá visualizar uma casa de 1936. Local do clube.

Tel.: (21) 99102-0202 – (21)2624-1925 – Milton Machado

Facebook de Milton Machado


Sobre o Autor:

Wilson Santos de Vasconcelos Wilson Santos de Vasconcelos é editor do Blog Tafulhar. Formado em sociologia pela UFF, mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela ENCE/IBGE e Doutorando em Ciência Política pela UFF.

Estephânia de Carvalho, Exemplo de Mulher

Professora Maria Estephânia Mello de Carvalho (1885-1958). Acervo MEMOR-SG

“São Gonçalo, cidade mui singela, Erguida nos encantos de aquarela (…) Estephânia, ó que grande monumento (…)Teu passado, cidade, foi honroso,Teu futuro será maravilhoso” (Trechos do Hino de São Gonçalo)

Alex Wölbert*

O mês de março é o mês em que comemoramos, no dia 8 de março, o dia Internacional da mulher. Pode ser apenas um dia( o oito), mas a mulher é tão especial que dedicamos todos os  30 dias do mês para elas que são, dedicadas, amorosas, carinhosas, companheiras,  sensíveis e de sexo frágil.

 Trabalhadoras da fábrica têxtil Cotton em Nova York. Fonte: MNCR.ORG


Frágil?  Frágil é um adjetivo que não combina com a mulher. Para começar o próprio dia 8 de março tornou-se comemorativo em homenagem as trabalhadoras da fábrica têxtil Cotton em Nova York no ano de 1857 que entraram em greve contra a jornada de 16 horas de trabalho e o salário de fome. Ocuparam a fábrica e sem a menor piedade o patrão prendeu-as, fechou todas as portas de saídas e incendiou a fábrica. Então as 129 mulheres de sexo nada frágil morreram queimadas nessa luta e fizeram desse dia o dia de todas as mulheres.

Na nossa cidade não faltam exemplos de mulheres guerreiras e sem dúvida nenhuma delas é Maria Estephânia Mello de Carvalho,  um exemplo de mulher forte e determinada que lutou incansavelmente pela educação gonçalense.   

A mulher que nasceu em 7 de junho de 1885 em Cantagalo, mas para nossa sorte adotou a cidade de São Gonçalo e aqui deu o seu suor para educação. E, consequentemente para o crescimento da cidade, pois a educação é a base para o desenvolvimento.

Uma aluna brilhante no Colégio Sion, em Petrópolis, cursou Ciências, Letras, Línguas e Música.  Também cursou o Pedro II e fez vestibular de medicina.

Aos 35 anos de idade, ao casar-se com Sr. Zeno Bellido de Carvalho, abandonou o magistério e passou a morar em Niterói, mas um fato triste lhe fez voltar a se dedicar ao ensino. A morte da sua única filha aos dois anos de idade. E da tristeza nasceu a perseverança e fundou em sua própria residência um curso primário. Mais tarde é diretora do Curso Feminino do Colégio Brasil de Niterói e logo depois funda o Colégio Carvalho.
Formandos do Colégio São Gonçalo. Na primeira fila, ao centro, a professora Estephânia de Carvalho. Década de 1950. Autor desconhecido. Acervo MEMOR-SG. 
Foi aos 56 anos que Estephânia de Carvalho chegou a São Gonçalo. Em 1941 foi convidada pelo então prefeito Nelson Corrêa Monteiro para participar de uma concorrência pública para montagem de um colégio secundário no local de um casarão da Rua Coronel Moreira Cezar que a prefeitura acabara de adquirir para essa finalidade.

Passa seu Colégio Carvalho em Niterói para Dr. Plínio Leite e inaugura em 10 de novembro de 1941 o Colégio São Gonçalo contrariando muitos que não acreditavam possível um curso secundário em São Gonçalo. Não só provou que era possível como fez melhor inaugurando a primeira Escola Normal de São Gonçalo e um Curso Técnico de Contabilidade.  Participou ativamente na cidade como a Campanha de Manutenção e Auxílio às Famílias dos Combatentes da Segunda Guerra Mundial e foi uma das principais responsáveis pela campanha pró-busto do Dr. Luiz Palmier.

Morro do Cruzeiro, Cruzeiro da Coruja ou Morro da Matriz. Imagem: Projeto Remoma


           Foi responsável também por um dos maiores marcos históricos da cidade, o Cruzeiro da Coruja que foi inspirada e construída por essa grande mulher com a ajuda de seus alunos. Dela também partiu a iniciativa de iniciar as comemorações do Dia do Município com o desfile cívico que anos depois foi incorporado pelas autoridades municipais e se tornou tradicional na cidade.
Mas foi a generosidade que tornou Estephânia de Carvalho uma mulher admirável. Tinha um coração imenso e não deixava ninguém de fora. Muitas mães devem a ela a felicidade de uma bolsa de estudo e um curso concluído. Era uma verdadeira mãezona e nenhum aluno deixava de estudar, mesmo os mais pobres. Ficou conhecida como “ A mãe do Estudante Pobre Gonçalense”.

Quis o destino que fosse no dia 2 de 1958 do mês de março, justamente no mês de comemoração Internacional da mulher, que este exemplo de mulher nos deixou. Descansou depois de tudo que fez pela educação de São Gonçalo. Tanto que seu reconhecimento renderam muitas homenagens  como o Colégio Municipal Estephânia de Carvalho no bairro do Laranjal que atende uma média de 3.500 alunos cursando primeiro e segundo graus. Uma das principais homenagens foi dar o nome a principal praça do Município. Antes chamada de “Praça Cinco de Julho” e também chamada popularmente de “Praça do Zé Garoto” tem o nome de “Praça Estephânia de Carvalho” onde o povo em respeito a sua memória ergueu um monumento com seu busto.
Busto da Prof. Estephânia de Carvalho que empresta seu nome a praça.

Finalizo parabenizando todas as mulheres que assim como a professora Estephania de Carvalho são fortes como uma leoa e delicadas como uma rosa.

PARABÉNS MULHER GONÇALENSE! EXEMPLO DE GARRA, FÉ E AMOR!  

      Sobre o Autor:

Alex Wölbert Alex Wölbert é colaborador do Blog Tafulhar. Considerado um dos maiores cronistas do Leste Fluminense, sobretudo, acerca da cidade de São Gonçalo-RJ. Faz parte do Projeto Recicla Leitores. Facebook: Alex Wölbert

Adélia Martins, educação se faz com amor ao próximo

Professora Adélia Martins
Alex Wölbert*
Adélia Martins tinha tudo para passar pela vida, apenas passar, mas ela fez mais do que passar. Ela passou e plantou uma semente que germinou e dela brotou uma bela árvore que ainda continua frutificando na nossa cidade. A árvore do conhecimento.

Aos 29 dias do mês de agosto do ano de 1872 nascia no município de Boa Esperança, cidade  de Rio Bonito a heroína da educação gonçalense. Adélia Martins era filha do médico Dr. Joaquim de Almeida Marques Simões e Maria de Freitas Simões, os grandes responsáveis pela sua alfabetização. A menina nasceu obstinada em realizar seu sonho e ainda nova começou a lecionar para os colonos e vizinhos da fazenda onde residia em Rio Bonito. Mas ela queria mais, queria se especializar e seu pai deixou a grande missão de prepará-la para Escola Normal de Niterói com o seu amigo também médico Edmundo March, filho do famoso médico Dr. March.


Quando ingressou na Escola Normal de Niterói Adélia já tinha 5 filhos e nos dias de aula sem ninguém que pudesse cuidar enquanto assistia as aulas,  os deixavam no Grupo Escolar “ Barão de Macaúbas”, do respeitado pedagogo do período monárquico Abílio Cesar Borges.  Foi nesse período que foi chamada de heroína pelo seu professor Ataliba Lepage.

Durante a gestão do Presidente do Estado do Rio de Janeiro Dr. Alberto Torres (deu o nome ao Hospital Estadual no bairro de Colubandê) Adélia Martins foi nomeada professora subvencionada no próprio Município onde morava. Mais tarde, no governo de Dr. Nilo Peçanha acabaram as subvenções e nessa parte da vida que São Gonçalo ganha o coração de Adélia que se muda para São Gonçalo alugando uma salinha na casa do senhor Salvino de Souza em uma região chamada Coelho (atual bairro de mesmo nome) onde na época não existia nenhuma escola.

Adélia determinada na missão, começou a correr a freguesia passando de casa em casa dos moradores do local avisando-os para mandarem seus filhos para escola sem se preocuparem com custo, tudo 0800. O resultado foi tão satisfatório que a salinha não deu mais para comportar tanta criança, e Adélia não perdendo tempo adquiriu da família Duque Estrada a antiga casa grande da Fazenda do Coelho.

Pedia doação de caixotes de madeira aos comerciantes locais para servirem de banco para seus alunos,  para o governo pedia doações de materiais escolares (caderno,giz e quadro). Também conseguiu com que o governo através de doação fizesse um grande galpão de madeira e telhas para atender mais alunos. 

Adélia era muito querida por todos no palácio do governo, levava frutas frescas, pudim e bolo.     

Com tamanha força de vontade Adélia foi reconhecida pelo então prefeito de São Gonçalo Geraldo Ribeiro que a nomeou professora Municipal. Mas Adélia queria mais e não satisfeita conseguiu que o então Presidente do Estado Dr. Feliciano Sodré a incluísse no quadro de professores efetivos do Estado e foi nomeada para uma escola vaga numa fazenda do Município fluminense de Vassouras.

Mas seu lugar não era ali, e guerreira como sempre, consegue o maior de seus objetivos. Intercedeu junto ao Presidente Feliciano Sodré a sua transferência  da escola em que trabalhava no Município de Vassouras para o Coelho, e doou a escola de sua propriedade para o Estado onde passou a existir como grupo escolar.

Ata inaugural do Colégio Adélia Martins


Em 1966 o então prefeito Joaquim de Almeida Lavoura com a presença do governador do Estado General Paulo Torres realizou a inauguração oficial do grupo escolar Colégio Estadual Adélia Martins no Campo do Coelho.  E até hoje funciona em 4 turnos diários com mais de 1000 alunos.

Essa árvore que nossa heroína plantou frutificou e é responsável pela formação anual de dezenas de gonçalense moradores do Coelho e adjacência, os armando para enfrentar o mundo com a melhor de todas as armas. A educação. 


      Sobre o Autor:

Alex Wölbert Alex Wölbert é colaborador do Blog Tafulhar. Considerado um dos maiores cronistas do Leste Fluminense, sobretudo, acerca da cidade de São Gonçalo-RJ. Faz parte do Projeto Recicla Leitores. Facebook: Alex Wölbert

No Bonde do Samba

Hoje, sediado no Barreto, a Escola de Samba Unidos do Viradouro nasceu mesmo em 24 de junho de 1946 no Bairro de Santa Rosa, no quintal de Nelson dos Santos, o jangada, um apaixonado por samba.
A Unidos do Viradouro tem esse nome por causa do seu local de origem, na tradicional Rua de Santa Rosa a Dr. Mário Viana, próximo a Garganta, nome popular da subida do Morro da União.  Era lá que os bondes viravam, faziam o retorno. Por isso o nome Viradouro dos bondes.

A data de fundação 24/06 coincide com a data de comemoração de São João Batista, padroeiro da Cidade de Niterói e assim o santo foi adotado como padroeiro da escola.

Não demorou muito para que a escola mudasse para uma nova padroeira, Nossa Senhora da Auxiliadora, pois ali bem pertinho ao lado do Colégio Salesiano foi erguida uma basílica e nas proximidades, no alto do Morro do Atalaia um monumento para santa inaugurado em 1900. E assim a cor azul do manto e o rosa das vestes foram adotadas como as cores oficias da Unidos do Viradouro.

Quis o destino que as cores azul e rosa fossem substituídos pelo vermelho e branco com a falência do principal fornecedor de tecido da escola. A escola teve que recorrer a outros fornecedores que não chegavam à tonalidade do rosa da escola.  Antigamente as escolas usavam muito cetim nas roupas e na decoração dos carros. O respeito às cores da escola na hora do desfile imperavam naquele tempo. Sem a tonalidade correta os adversários acusavam a Viradouro de desfilar com roupas e alegorias feitas com tecidos reaproveitados de carnavais anteriores. Logo em 1971 o primeiro ano da mudança de cores a escola foi campeã e isso foi muito positivo, pois a escola passou por um jejum de títulos de 1966 até 1970.
Em Niterói, a escola desfilou pela primeira vez em 1947 conquistando o quarto lugar no carnaval de Niteroi. O primeiro título saiu em 1949 com o enredo Ararigbóia. De 1947 a 1963 a Viradouro conquistou 10 campeonatos e só não venceu por quatro vezes.
 Por duas vezes a Viradouro passou pelo carnaval carioca. A primeira vez por dois anos para se esquecer,  1964 e 1965 onde os resultados ruins e o atraso nos desfiles na Praça Onze fizeram com que ela voltasse a competir em Niteroi em 1966. Mas depois de conquistar 18 títulos no carnaval de Niterói a unidos do Viradouro decidiu desfilar no carnaval carioca a partir de 1986. O ponto mais ato na sua trajetória no carnaval carioca foi o título em 1997 no Grupo Especial com o enredo “Trevas! Luz! A explosão do Universo” do carnavalesco Joazinho Trinta.
A Unidos do Viradouro pode ter nascido em Niterói, mas com a mudança para Barreto, um bairro bem na divisa com o município de São Gonçalo conquistou também o coração dos gonçalenses.
Então niteroienses e gonçalense podemos gritar:

PARABÉNS UNIDOS DO VIRADOURO POR ESSA CONQUISTA!



      Sobre o Autor:

Alex Wölbert Alex Wölbert é colaborador do Blog Tafulhar. Considerado um dos maiores cronistas do Leste Fluminense, sobretudo, acerca da cidade de São Gonçalo-RJ. Faz parte do Projeto Recicla Leitores. Facebook: Alex Wölbert

Bondes: o trilhar do desenvolvimento de São Gonçalo

O Malho. Ano 1907, p.27

As primeiras fagulhas do progresso gonçalense – Parte I

Diante da recente emancipação política em fins do século XIX, São Gonçalo engatinha e revela  as transformações que a cidade transpira ao se modernizar em seu tempo.

Os olhos se acostumavam à luz vinda dos postes de iluminação a gás, aos flashes das fotografias, ao escuro dos cinemas. Aos ouvidos cabia absorver a abundância de sotaques, as vozes anônimas dos rádios, as falas distantes dos telefones, e passar impune à polifonia que as aglomerações em trânsito produziam. O aroma dos charutos e cigarros, os perfumes das damas e o suor dos trabalhadores propunham novos desafios ao olfato. 

Bonde itinerário “S. Gonçalo” – Feliciano Sodré x Cais do Porto. Centro de Niterói, 1957. Acervo: Sandro Marraschi.


A cidade se oferecia à visão, à audição e ao olfato numa velocidade que fazia da abundância de estímulos sensoriais a sua marca. Em contrapartida, o indivíduo se voltava para si. (O’DONNELL, 2007).

Durante o século XIX, o bonde foi um dos grandes meios de transporte que permitiram às cidades pós Revolução Industrial consolidarem a sua expansão e a sua própria estrutura, delineada a partir das novas funções das cidades com características notadamente urbanas. A disseminação desse processo, no bojo do avanço do poderio capitalista, permitiu a outros países do mundo ocidental experimentar, ainda durante o século XIX, as quimeras do progresso que no Velho Mundo já se avultavam há quase um século.

O Brasil, embora em embrionário processo de industrialização em fins do século XIX, adota o bonde e os ícones da cidade industrial, como meio de promover a sua própria modernização e inserir-se, ainda que forçosamente, já que se limitava a apropriar apenas os aspectos técnicos, nesse processo. O bonde foi implantado na imensa maioria das capitais brasileiras contribuindo, de forma irrefutável, para consolidar essa urbanização tão desejada em todo o país.


Linhas de bondes em São Gonçalo e Niterói.  A palavra inglesa Tramway significa bonde, no português. Fonte: The Trams & Trolleybuses of NITERÓI & SÃO GONÇALO Brazil by Allen Morrison. Disponível em: http://www.tramz.com/br/ni/nim2.html


E em São Gonçalo não havia sido diferente. Por iniciativa do visionário empresário Carlos Gianelli, muito ligado ao legislativo gonçalense, em 5 de Agosto 1899 (MORRISON, 1989), a sua companhia, Tramway Rural Fluminense, tem permissão a linha de bonde à vapor de 15 km de extensão que liga Neves a Alcântara, que forneceu o serviço local ao longo das ruas paralelas da Leopoldina Railway.

“Realizou-se hontem, conforme fora annunciada, a inauguração dos bonds a vapor de S. Gonçalo ao Alcântara. A 1 hora da tarde, em bonds especiais que partiram das Neves, seguiram os convidados e representantes da imprensa, afim de tomarem parte na solenidade da inauguração, e na mesma partida da estação de Sant’Anna um trem especial da Companhia Leopoldina conduzindo o Sr. Quintino Bocayuva e outros convidados. O trecho inaugurado achava-se ornamentado com gosto e bem assim as locomotivas. Os convidados foram recebidos no ponto terminal do Alcântara ao espoucar dos foguetes e ao som de duas excellentes bandas de musica militares. Terminada a solenidade da inauguração, regressaram os convidados ao edifício da Câmara Municipal de S. Gonçalo, onde o Sr. Carlo Gianelli, director da companhia, offereceu um profuso banquete, no qual tomaram parte grande número de convivas (…) Ao champagne foram levantados os seguintes brindes: do Sr. Carlos Gianelli à Camara Municipal de S. Gonçalo; do Sr. Nilo Peçanha, que em nome da Câmara Municipal agradece ao conhecido industrial, Sr. Carlos Gianelli (…)”(Jornal do Brasil, 2.julho. 1900, n.183)


É preciso ressaltar a visão de Carlos Gianelli. (Industrial, agricultor e empresário). Nascido em 1855 e desde 1881, logo que aqui chegou, vindo do Uruguai, a sua pátria, dedicou-se ao preparo do trigo importado do estrangeiro com sua empresa Moinho Fluminense (1887), empregara todos os seus esforços no sentido de desenvolver a indústria, chegando a ser um dos seus mais importantes representantes.


Dedicou-se também a agricultura, indo empregar os seus inexcedíveis esforços e atividades na Fazenda Guaxindiba, em São Gonçalo. Também exerceu cargo de cônsul e o de secretário da legação do seu país, sendo elevado ao cargo de secretário honorário da legação Oriental.  O Sr. Carlos Gianelli, tendo conseguido privilégio para uma linha de bondes à vapor em São Gonçalo, funda a companhia Tramway Rural Fluminense em 1899. Faleceu em 13 de março de 1908, com 53 anos de idade, e foi enterrado no cemitério São João Batista n. 2779, em Botafogo.


Os bondes, juntamente com os seus fundadores, foram os promotores do desenvolvimento da cidade gonçalis na primeira metade do século XX, pela facilidade de deslocamento que ofereciam. Tão notável progresso, em relação ao transporte de passageiros e cargas, entre os mais importantes centros populosos – Neves – São Gonçalo – Alcântara. A concessão dada a esses beneméritos cooperadores do desenvolvimento de São Gonçalo deve figurar entre as mais valorozas conquistas do progresso que estavam por vir.



Referências:

COSTA, Madsleine Leandro da, FERREIRA, Angela Lucia de Araújo. Mudanças Tecnológicas e Transformação Urbana: do Bonde ao Ônibus. Departamento de Arquitetura – UFRN, s.d.

FERNANDES, Marcelo Belarmino. São Gonçalo operário: cenários e personagens das lutas sociais no Município de São Gonçalo no segundo pós-guerra, 1945-1951. UERJ-FFP, São Gonçalo, 2009.

MACHADO, Fábio Nunes.  A atuação do poder público na construção do espaço urbano gonçalense, entre os anos de 1920 – 1950. UERJ-FFP, São Gonçalo, 2002.

MORRISON, Allen. The Tramways of Brazil, A 130 – Years Survey, New York: Bonde Press, 1989. ISBN 0-9622348-1-8O’DONNELL, Julia Galli. Para andar nos trilhos. 12 set. 2007. Em : http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/para-andar-nos-trilhos

Sobre o Autor:

Wilson Santos de Vasconcelos Wilson Santos de Vasconcelos é  editor do Blog Tafulhar. Formado em sociologia pela UFF e mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela ENCE/IBGE e Doutorando em Ciência Política pela UFF

Índio Quer Apito Se Não Der Pau Vai Comer

Manuel Fonseca – Bloco “Inocentes Canibais” diante do busto de Araribóia, na praça Araribóia, Carnaval de 1956. Coleção da Fundação de Arte de Niterói.

Alex Wölbert*
É meus amigos, chegou o carnaval. Vamos todos colocar aquela fantasia tão esperada guardada o ano todo e nos divertir assim como fazem os integrantes do bloco “Inocentes Canibais” (Nome bem sugestivo não acham? Todos prontos para comer gente, mas com o álibi da inocência. Se eu fosse um advogado diria que no mínimo um crime culposo, sem intenção de carcar) nesse espetacular registro de Manoel Fonseca no ano de 1956.


Você fica pensando. Assim é mole, pular o carnaval em 1956 é muito mais fácil. A vida era muito melhor, não tínhamos tantos problemas como de hoje. A saúde, a educação e o transporte eram mil maravilhas! Principalmente o transporte, tínhamos um transporte de qualidade com preços justos.  Peraí! Não era bem assim! O nosso amigo de bronze da foto sabe muito bem que por muito tempo os nossos transportes são péssimos e principalmente o  hidroviário, no qual foi testemunho que o bicho pegou ali pertinho dele. Talvez seja um trauma causado por esse acontecimento que o fez morar na frente da igreja São Lourenço dos Índios e esta lá até hoje rezando para que nossos governantes nos tratem com mais respeito.  

Nosso amigo da foto se estabeleceu mesmo na Praça Araribóia em 1914 após um movimento popular no ano anterior chamado Comissão Glorificadora a Araribóia liderado por um tal de Araribóia Cardoso que se dizia descendente do fundador de Niterói. Se o cara era ou não parente direto do famoso índio nunca vamos saber, mas aquele cara de barba espessa, casaco longo e cocar na cabeça surgiu com tudo no cenário político Niteroiense. A partir daí nosso amigo vivenciou as alegrias e as tristezas das pessoas que pegavam todos os dias as barcas para trabalhar. Até brincar o carnaval o nosso amigo brincou, esta ai a foto que não me deixa mentir.


                      Barcas à vapor, sec XIX (1835)

Bem antes em 1835 as barcas à vapor começavam a circulavam realizando o trajeto Rio – Niterói. A Sociedade de Navegação de Nictheroy operava com três barcas que trafegam de hora em hora com a capacidade de 250 passageiros de seis da manha até às seis da tarde. A Sociedade de Navegação de Nictheroy manteve-se soberana até meados do século quando a Companhia Inhomirim entra no circuito obtendo permissão para manter uma linha de transporte regular entre a Capital do Império e Niterói. Mas como diz o ditado popular “Onde Come Um Come Dois” as duas companhias entram num acordo  com o objetivo de contornar a disputa pela concorrência e fundam a Companhia Niterói – Inhomirim. Esse filme nós vemos até hoje, se chama monopólio. E assim a companhia passa a explorar não só o trajeto Rio – Niterói, mas todos os principais portos do fundo da baía. Mas a mais lucrativa é quando estabelece uma carreira para o bairro de botafogo. Na época o lugar de residências de famílias mais ricas. Botafogo passa a ser também o lugar mais procurado para os banhos de mar. Em 1858, a Niterói – Inhomirim já tem 9 barcas fazendo o trajeto Rio – Niterói.

Entra na história no mesmo ano, de 1858, um empresário chamado Cliton Von Tuyl que ganha outra concessão para operacionalização do transporte aquaviário na Guanabara, a mesma carreira  que Niterói- Inhomirim. Cliton não perde tempo e vende aos empresários americanos Thomas Ragney e W. F. Jones a concessão para estabelecimento de barcas à vapor do sistema Ferry. O capital internacional fez com que as barcas do sistema Ferry passassem por cima da concorrência e o mesmo trajeto era feito em menos tempo com mais velocidade e conforto. Isso foi fatal para sobrevivência da Companhia Niterói-Inhomirim que em 1865 suspendeu seus serviços. 


Estação Ferry na Praça XV, em seu aspecto original de 1862


Mais uma vez vemos o monopólio do serviço aparecer e o céu era o limite para Companhia Ferry. Com o aumento do preço do serviço a companhia expandiu a sua lucratividade a ponto de em 1889 incorporar a Empresa de Obras Públicas do Brasil, dirigira por Manuel Buarque de Macedo, que já prestava serviços públicos em Niterói e São Gonçalo. E assim surgia a Companhia Cantareira & Viação Fluminense.

A Companhia Cantareira era só expansão até o ano de 1908 quando sofre uma nova reestruturação e passa a ser financiada diretamente pela Leopoldina Railway, que monopolizaria não só o transporte de passageiros na Baia de Guanabara como a provisão de infraestrutura física na chamada Orla Oriental da Baia. Só que a companhia não contava com o crescimento de passageiros a partir do crescimento das duas cidades tanto Niterói que segundo o recenseamento de 1920 contava com 86.238 habitantes e sua vizinha São Gonçalo que crescia meteoricamente com 47.019 habitantes segundo a mesma fonte.   O reflexo disso não poderia ser outro senão o descontentamento dos usuários do transporte e em dezembro de 1925 é registrado a primeira das diversas ondas de conflitos da história do transporte aquaviário no Rio de Janeiro. Insatisfeita com o aumento das tarifas das barcas Rio – Niterói a população inicia uma série de depredações às estações “Niterói” e “Gragoatá” e em 1928 devido ao mau funcionamento e atraso de várias barcas ocorre outro episódio de indignação popular e várias barcas e da estação Cantareira são quebradas.

Lembrando que o nosso amigo de bronze, o índio, já fazia guarita ali na praça Araribóia e  observava tudo sem mover uma palha, sem reação, mas também o que ele poderia fazer? Era apenas um busto, ele até tentou o diálogo com os manifestantes, mas no calor do momento ninguém lhe deu a menor pelota.  

Essas manifestações foram pintos perto do que o nosso amigo passou 30 anos depois, essa os deixaram com seus cabelos metálicos em pé. Pela proporção da revolta pensou até que fosse seu fim. Mas nosso amigo manteve a calma, fechou os olhos e rezou para Nossa Senhora dos índios até tudo se acalmar. Foi a chamada “Revolta das Barcas”. 


Estação das barcas, Frota Barreto S.A., Centro, Niterói, A/D.


A concessão era da Frota Barreto S.A que já possuíam barcas que faziam o trajeto em 20 minutos, mas os problemas eram os mesmos de 30 anos. Filas de passageiros cada vez maiores, atrasos constantes nos horários das barcas e insatisfação por parte dos funcionários. No dia 18 de fevereiro de 1969 o dono da Companhia de Navegação Frota Barreto ameaça paralisar as barcas caso não haja o aumento da tarifa ou um maior subsídio do governo. Como o governo nem estava nem ai para as revindicações da empresa em seis de março do mesmo ano o Grupo retira algumas barcas de circulação com o objetivo de pressionar o governo. Para complicar cinco sindicatos de trabalhadores do transporte aquaviário ameaçam entrar em greve. E o Grupo não pagava os salários de março alegando não ter verba. Em 22 de maio de 1959 o tráfego da baía é paralisado devido à greve dos marítimos já que o grupo se recusou a pagar o aumento salarial decretado pelo governo.

Imagine vocês como deve ter sido o sofrimento dos passageiros que esperavam as barcas para ir ao trabalho ou até mesmo voltar para sua casa. O problema fica infinitamente maior quando se pensarmos que na época era o único meio de transporte, hoje simplesmente pegaríamos o 100 e soltaríamos no terminal. Naquela época não existia a ponte que foi inaugurada apenas em 1974.  

Com a greve as estações das barcas amanhecem ocupadas por policias e fuzileiros navais. Essa proteção foi insuficiente e causou mais revolta na multidão de mais de 3 mil pessoas que transpuseram a linha de fogo dos fuzileiros que atiraram com suas metralhadoras para cima da multidão. Mesmo assim invadem as estações das barcas de Niterói ateando fogo, apedrejando e destruindo toda a sua estrutura.


Busto do Araribóia na Igreja São Lourenço dos Índios


Bom, estamos em 2014 muita coisa se passou e  nosso amigo de bronze já não mora mais ali na Praça Araribóia, se mudou para Igreja São Lourenço dos Índios, e na comemoração do IV centenário de fundação da cidade. Em 1973, o busto do Araribóia foi substituído por um maior e com cara de brabo com os braços cruzados como se tivesse pronto para proteger a cidade ou seria a estação? Sei lá, o mais importante disso tudo que hoje a concessão para o transporte hidroviário esta nas mãos da empresa CCR e nós usuários continuamos brigando pelos mesmos motivos que levaram à revolta.      
  
Quer saber de uma coisa? Esqueça tudo, coloque sua fantasia e vá pular o carnaval. Já passamos por 55 carnavais e não mudamos nada e vai ser mais um que continuaremos como o índio da Praça Araribóia. DE BRAÇOS CRUZADOS. 



      

Sobre o Autor:

Alex Wölbert Alex Wölbert é colaborador do Blog Tafulhar. Considerado um dos maiores cronistas do Leste Fluminense, sobretudo, acerca da cidade de São Gonçalo-RJ. Faz parte do Projeto Recicla Leitores. Facebook: Alex Wölbert